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Estudo acompanhou cerca de 40 crianças com até 13 meses em diferentes relações e contextos 6n6v47
O ser humano é um “ser da linguagem”. Desde o nascimento, e muito antes de aprender a falar, já é capaz de dialogar e de negociar com parceiros – sejam eles adultos ou outros bebês – por meio de olhares, gestos, posturas, vocalizações e outros recursos próprios da idade. Todo o seu corpo é meio de apreensão, expressão e significação.A análise é da especialista em Psicologia do Desenvolvimento Humano Kátia de Souza Amorim, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), ligada à Universidade de São Paulo (USP). A pesquisadora coordenou um projeto de pesquisa com o objetivo de investigar se e como ocorriam processos de significação e de linguagem nos dois primeiros anos de vida.
Amorim coordenou também outra pesquisa outra pesquisa sobre corporeidade e significação em processos desenvolvimentais no primeiro ano de vida.
- Usualmente, tem-se a ideia de que os bebês apenas dormem e mamam e, quando se expressam, tudo não a de uma descarga emocional. Mas nossos estudos mostram que, na verdade, os bebês desde muito cedo já são capazes de se expressar de maneira culturalmente adequada - disse Amorim.
- Isso não quer dizer que eles entendam os significados das palavras pela cognição, pelo intelecto, mas apreendem seu significado nas relações, dentro do ambiente. Por meio de recursos particulares, percebem o meio e agem sobre ele, sendo capazes de dialogar com o outro, mesmo que em um diálogo mudo - afirmou.
Para chegar a essas conclusões, a pesquisadora e seus colaboradores acompanharam cerca de 40 crianças com até 13 meses em diferentes relações e contextos: casa, creche e instituição de acolhimento (abrigo). A interação dos bebês com familiares, cuidadores e com outras crianças, inclusive pares de idade, foi gravada e posteriormente analisada pelos cientistas.
- O trabalho começou no âmbito de um Projeto Temático coordenado pela professora Maria Clotilde Rossetti-Ferreira, da FFCLRP. Na época, acompanhamos um grupo de 21 crianças que tinham acabado de ingressar na creche mantida pela USP, no campus de Ribeirão Preto. Nosso objetivo era estudar o processo de adaptação dos bebês no ambiente da educação coletiva - disse Amorim.
Nesse período, foram realizadas cerca de três horas de gravações diárias mostrando a interação dos bebês com as mães, educadoras e com as outras crianças. Como os pesquisadores observaram indícios de processos de interação e de comunicação mesmo entre os próprios bebês, foram conduzidas outras pesquisas e construídos os demais bancos de dados e imagens.
- Pudemos observar claramente que os bebês eram capazes de se expressar e, de alguma maneira, compreender o que se ava no entorno. Então, levantamos uma série de questões para estudar a comunicação e a significação antes da aquisição da linguagem oral - disse Amorim.
Dentro das competências comunicativas, acrescentou a pesquisadora, a emoção serve de diálogo sem palavra, representando uma forma de comunicação que abrange todo o corpo do bebê e não apenas o rosto e a voz. Essa emoção muito precocemente a a ser carregada de intencionalidade, sendo dirigida aos parceiros, com aumento, diminuição e substituição de sinais e tons, além de transformações nos estilos e manifestações.
- Se o choro fosse apenas uma descarga emocional, os bebês agiriam com todos da mesma forma. Mas observamos que eles não choram e não sorriem para todo mundo de maneira igual - comentou Amorim.
Segundo a pesquisadora, a análise dos vídeos mostra que, embora os bebês tenham uma relação preferencial com a mãe, também constroem ligações com outras pessoas – tanto adultos como pares de idade – presentes no contexto. E as relações se dão de forma bastante diferenciada.
- Se há duas educadoras ou duas crianças, por exemplo, o bebê chega a claramente demonstrar preferência por uma delas. Não só interage mais com ela, como os recursos comunicativos são diversos, sendo usados com mais ou menos frequência, além de mudarem com o tempo e as diferentes situações - disse.
- Para nós, isso foi surpreendente, pois mostra o grau de refinamento das habilidades nas relações e a riqueza de competências comunicativas do bebê. De alguma maneira o bebê diferencia não apenas o parceiro como apresenta também formas diversas de se comunicar com ele - avaliou Amorim.
Interação de crianças
De acordo com a pesquisadora da FFCLRP-USP, muitos gestos que hoje em dia são considerados como automáticos ou naturais – decorrentes de maturação biológica – evidenciaram ser, na verdade, construídos nas relações com os parceiros, servindo na regulação do comportamento do outro, constituindo o diálogo com o interlocutor.
Nessas relações e comunicação, em que há troca de significados, verificou-se que há participação ativa da criança, apesar de ela não ser capaz de fazer uso das palavras.
Os comportamentos enunciam problemas, que são dirigidos a alguém e inclusive chegam a antecipar uma possível resposta, desde muito precocemente. O gesto tem ainda uma forma diretamente relacionada à ação no mundo de onde deriva, construindo papéis e formas de ser e de estar no mundo.
O tema é controverso, segundo Amorim, pois para a maioria dos autores a linguagem está relacionada à internalização de signos e à aquisição da fala. Em função disso, muitas pesquisas sobre a linguagem e a comunicação de crianças, segundo Amorim, centra seu foco em faixas etárias acima do final do primeiro ano de vida.
- Porém, reconhecer as competências desde o nascimento permite que se veja o bebê para muito além daquilo que ele virá a ser – adulto oralizado –, destacando o que ele já é - avaliou.
Na opinião da pesquisadora, os resultados do estudo podem contribuir para reflexões sobre a forma como familiares, educadores e demais profissionais compreendem os bebês e como organizam a vida e as relações com a criança, por exemplo, nas creches. Para Amorim, é preciso favorecer ainda mais o encontro e a interação das crianças com seus pares de idade.
- Temos enviado material de divulgação da pesquisa para congressos, creches, cursos de pedagogia e demais profissionais que trabalham com desenvolvimento infantil. Muitos professores se incomodam com o fato de terem de lidar com bebês. Dizem que não se formaram para trocar fraldas. Mas se houver a compreensão de que, na verdade, quando trocam a fralda estão ensinando, aprendendo e se relacionando com alguém que já é capaz de se comunicar, tudo muda - avaliou Amorim.
Fonte: AGÊNCIA FAPESP
Postado por:Elisete Bohrer
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